Para Início de Conversa
Pirineus de Sousa
“Quando a Depressão Ataca.”
Primavera, há 13 anos. Lá fora o mundo estava lindo, mas dentro de mim só havia tristeza, indefinível, lá dentro, sem quê, nem por quê.
Daquela primeira internação um fato ficou gravado em minha mente. O médico da janela do meu quarto apontou-me diversos pacientes que perambulavam pelo jardim, descrevendo-me o porquê de muitas delas estarem ali. Eram pessoas que se sobressaíram em alguma atividade profissional e, no entanto o destino foi o mesmo: inativas dentro de uma clínica, enquanto lá fora a vida continuava para quem estava vencendo a luta com sucesso, ou mesmo sem ele.
Assim, declaradamente, foi à primeira visita que ELA me fez. Durante muito tempo, ELA ficou indo e voltando. Tirava férias, mas ELA adorava esta casa, sempre voltava...
ELA é ELA porque fica mais familiar. Afinal de contas, não somos tão íntimos?
Então nada de formalidades. ELA, em sã consciência, nunca poderia ter sido a eleita, a amada, a querida, a companheira para este ser, ainda humano.
ELA contagia tudo ao redor do lugar escolhido para sua morada. As plantas, os animais, os móveis, minhas roupas, as pessoas. Mas pior, ELA me ama de verdade, só a mim, o eleito, o privilegiado.
Quantas vezes já me perguntei, por que logo eu? Há tanta gente neste mundo! Mas não questiono, foi tudo uma questão de opção dela.
Colocando sob este ponto de vista, me dou ao comodismo de atribuir culpas só a ELA, esquecendo ou omitindo a minha participação no nosso caso. Pratico um auto-hedonismo.
Dizendo assim, estarei amenizando, atenuando, o que na verdade é uma doença séria.
Quando estou com ELA, tenho por norma culpar a tudo e a todos por aquilo que me acontece. Concordo, não sou um problema, sou vítima. E nesse tempo, não tenho condições de ser eu mesmo. Falta-me tudo. Os meios que habitualmente utilizava para sobreviver estão se aniquilando. Não fazem mais efeito, quando os aplico como antes, nos mínimos detalhes, os resultados não aparecem.
Estou fragilizado, a sós, eu e ELA, o resto não importa.
ELA veio para arrasar, tornando-me um verme. Na matemática da vida, sou zero à esquerda. Não conto, não somo, sou ignorado. Faço de conta que vivo, pois na verdade vegeto. Penso que se desligassem os aparelhos, não faria falta, ninguém notaria.
Por pouco não estou vivendo da caridade alheia: ELA é um trambolho caro e tenta porque tenta acabar com nossos meios de subsistência, apesar de não ser vaidosa, mas também não exige. ELA não me leva ao cabeleireiro, às lojas para que eu tenha uma aparência melhor. ELA me quer dependente, mal vestido, mal cuidado e, ciumenta como é, me quer enclausurado seja da forma que for, de preferência, confinado. Mudo, sem ter com quem conversar. Apenas posso compartilhar com ELA este amor sem fronteiras, que gira em círculos. ELA delineou uma mandala em torno de mim, para coexistirmos somente nós dois na tristeza desse amor fatal.
Meus amigos, meus parentes, a pessoa amada, o sexo prazeroso, meu trabalho, ELA os afastou, porque não dizer que os afugentou? Impôs suas regras, ELA me quer submisso e eu que a odeio e a amo ao mesmo tempo, faço o seu jogo. Afinal, só ELA entende minha autopiedade. O seu ombro companheiro está sempre à minha espera. ELA é o máximo. Compreensiva, têm chicotes, coleiras, arreios, cabrestos, toda uma parafernália de objetos prontos para satisfazer meus instintos sado masoquistas. Provoca-me sangramentos no corpo e na alma, é uma parceira perfeita.
Eu sempre me pergunto; que mal fiz para merecê-la? Sei que não somente eu faço esta pergunta, mas toda a minha família, todo um círculo de pessoas. Mesmo assim, eu tenho a resposta? Não, não tenho, porque se tivesse, ou lucidez para tal, não teria me juntado a ELA, e se tivesse oportunidade há muito a teria abandonado.
Continuamos eu e ELA. Até quando? Eu diria sei lá!
Quero é que eu e ELA nos explodamos e sumamos para onde nem os pensamentos alcancem. Afinal nós dois somos problemas e deles todos querem distância, portanto, fora com nós dois.
ELA tenta me levar para diversos caminhos, optei pelo álcool e remédios que só consigo nas farmácias com receita azul. "Uma mistura perfeita". Pelo gosto dela eu deveria, também, enveredar pelos tóxicos. ELA é chegada a estes canais de fuga e nada melhor para momentaneamente fugir da realidade, onde ninguém me entende.
Não temos uma linha a ser seguida, ela é mutante e eu dependo dos seus caprichos, então nada é definitivo.
Muitos já me disseram que ELA me traiu Mas os outros foram fortes, a repeliram, fizeram isto e aquilo, mas não permitiram que ELA se apossasse deles. Isto faz subentender que sou um fraco e deixei que ELA me dominasse, o que me deixa triste, na minha fraqueza, na minha penúria. Logo eu que tinha tantos planos. Eu que era equilibrado, agora estou só.
Penso que até Deus me abandonou. Tudo é caótico. Tenho a impressão de que fui alvo de uma bomba atômica e estou só em meio a esse cogumelo mortífero, sujeito a toda sorte de desgraças. Não enxergo um centímetro à minha volta, fico surdo, mudo, incomunicável, só eu e ELA. ELA faz com que tudo o que me diz respeito, dê errado.
ELA tem serviçais devotos até a morte, que incutem em meus mais recônditos esconderijos do cérebro, fobias, pânicos de toda ordem. É horrível. Por vezes quero descer aos infernos a ter que enfrentar aglomerações de pessoas, sejam quais forem, filas, shoppings... Não suporto ver TV, ouvir rádio onde os mortais comuns cantam as suas dores de cotovelo ou suas alegrias de viver. Se eu a tenho, o que me importa o resto do mundo, se só ELA me basta?
Eu que era normalmente participativo, procurava sempre novos conhecimentos, tinha perspectivas inúmeras para a vida, hoje não quero saber de nada.
Têm acontecido tantas coisas, que me considero um vaso que caiu, despedaçou-se em estilhaços pontiagudos, prontos para ferir seja lá o que for. Não tenho mais valor, não sou mais inteiro. Passei a ser figurante, coadjuvante na vida, não brilho mais, só provoco reações negativas.
Eu e ELA não temos necessidade de sermos vulgares, sermos comuns como os demais que vão e voltam, saem a passeio, a trabalho, o cotidiano básico. Para nós um carro é um embuste. Penso, se eu dirigir vou ter sudorese por todo o corpo, a ponto de ensopar toda roupa e isso ocorre porque ELA presenteou-me com o pânico. Se insistir em pegar no volante, lembro-me dos efeitos colaterais. Meus reflexos podem estar muito lentos, posso estar irritado. Enfim um carro em minhas mãos pode se tornar uma arma.
Aos problemas que aparecem, não tenho soluções, vou somando um a um. No final não tenho problemas pequenos, isolados, tenho um só, enorme. Sinto-me um Atlas carregando o mundo nas costas. É um fardo muito pesado, está além das minhas forças e me esmaga.
Situei-me, não gosto de ninguém e ninguém gosta de nós.
Estamos de mal com o resto do que existe, pois todos são injustos para conosco. Assim prefiro alienar-me a ter que conviver com pessoas tão más. Prefiro a ELA.
Na minha fragilidade, tornei-me vulnerável a qualquer tipo de ataque, não tenho como me defender Por isso, eu e ELA, mesmo a contra gosto, somos cercados de pessoas para nos ajudar, pois mesmo sendo agressivos, temos má pontaria. Nunca acertamos o alvo.
Por vezes eu e ELA ficamos eufóricos, sonhamos grande.
Tornamo-nos poderosos. Aí somos perigosos, capazes de praticar os piores desatinos, afinal somos mutantes. Nesse ponto nosso barco que julgávamos navegar em águas tranqüilas, faz água, afundamos e estamos novamente imersos na escuridão.
Numa nau à deriva, sujeitos a ventos e tempestades. Solitariamente, eu e ELA, minha inseparável companheira.
Aquela de ombros fortes, onde constantemente derramo minhas lágrimas, aos pés daquele ouvido que escuta minhas lamúrias, e como o faço! Afinal não tenho pouco a reclamar. Sou um pobre coitado que perdeu tudo e a todos, principalmente a vontade de viver, o que antes me parecia o mais essencial, tanto quanto o ar que respirava.
O pior é quando sinto que as pessoas estão pensando que estou criando situações ilusórias, problemas inexistentes. Que eles não existem, que não passam de doença de quem não tem o que fazer, que é o diabo fazendo moradia em uma mente desocupada. Enfim, é fricote puro. Constato, por força de circunstâncias, que profissionais da área médica não versada no assunto da psique humana, também, às vezes pensam assim. Impossível?
Não. E por falar na categoria médica, eu e ELA já conhecemos diversos. Com alguns nos demos bem, com outros pessimamente. Por certo não me acharam um caso interessante em comunhão com ELA... Ou não encontraram um remédio, ou aconselhamentos para que nós pudéssemos nos sentir melhores.
Muitas vezes nos afastamos deles simplesmente porque os achamos desinteressados em nosso caso, tão inequivocamente mais ricos que os demais casos. Nós, eu e ELA, nos consideramos mais interessantes, não somos para o entendimento de qualquer um. Assim, jogamos na retaguarda, camuflamos a verdade, o que torna ainda mais difícil a nossa volta à realidade da vida.
Não é incomum me sentir um paranóico junto aos demais acompanhantes desse planeta Terra. Eles não conseguem me enxergar apenas triste, desanimado para viver. Não me sinto parte de uma minoria, me sinto só em mim mesmo.
Escuto os incautos me dizendo: saia; faça uma viagem, trabalhe com mais garra, vá a uma igreja, troque de médico, deixe os problemas de lado, esqueça-os e coisas assim. A minha doença para essas pessoas é como um simples trocar de roupas.
É como se trocando de remédios, ou mesmo parando de tomá-los, eu ficaria bom.
Mas na apatia que ELA me deixa, ainda consigo lembrar que tenho dois ouvidos; um para entrar, outro para sair, e quando esses conselhos valem à pena, lembro-me que entre eles tenho um cérebro, ainda que com problemas, capaz de armazenar as informações que julgo úteis. Parafraseando: Eu não sei o caminho para o sucesso; mas, sem dúvida, o caminho para o fracasso é agradar a todo mundo.
Assim como uma Fênix, estou tentando renascer das cinzas, sair do fundo do poço profundo, sombrio.
Como "cada caso é um caso", a minha abordagem é ampla, sem, contudo, não ter a presunção de um tratado médico.
Você sendo essa outra pessoa, é bom que saiba a opinião do Dr. Jeffrey Lynn – "Em geral esse mal atinge os mais ambiciosos, criativos e escrupulosos".
Como nada há de errado em se enquadrar nesse perfil, o nosso objetivo é que você volte a ser ambicioso criativo e escrupuloso, mas policiando-se para não chegar aos extremos e sofrer com as suas conseqüências.
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