O Mundo à Sua Volta
O egocentrismo, o pensamento voltado para o seu mundo, aparentemente, ou verdadeiramente desabado, o impede de estabelecer parâmetros. Os seus problemas são "os maiores", "os piores", nada se compara a eles.
Sei que a comparação está fora dos seus limites de coordenação mental. A dissintonia o acomete tanto sob tratamentos médicos adequados, quanto enfrentando as barras sem eles. Deixa de observar, até subestima os problemas alheios.
A depressão venda seus olhos e não os pode enxergar ou percebê-los. Como o momento é de altos e baixos, você deve aproveitar aqueles em que sua percepção estiver boa para comparar o seu mundo com o dos demais. Por pior que estiver, sempre encontrará alguém, e muito mais do que possa imaginar, em situação pior que a sua. Quando lhe for permitido momentos assim, compare o seu estado físico, mental, financeiro, afetivo, etc. Tenho braços? Eles obedecem ao meu comando? As pernas, o sexo, aparência, meus meios de subsistência, estão melhores, piores ou iguais aos das pessoas que me rodeiam? Tenho o cantinho para morar? Meus parentes estão me dando atenção? Tenho recursos para viver dignamente? Estou provisoriamente fragilizado, mas estarei demente? Será que estou louco? Vivo sob efeito de psicotrópico, mas será sempre assim? Com essas perguntas na pauta, observe a luta de quem enfrenta uma cadeira de rodas com dignidade. Observe que você tem pernas para dar um passeio, ir à banca da esquina, à panificadora, aonde você quiser ir e vir. Você ouve, pode se comunicar. Você vê, pode ir a um cinema, se não conseguir ir sozinho arranje uma companhia.
Você pode ler. Mesmo que fisicamente esteja se sentindo debilitado, compare-se a quem já esteve pior mais ou menos agredido, e "aprenda" a recorrer a sua força de vontade para superar-se.
Se estiver numa clínica, observe que muitos estão lá sem possibilidade de sair, mas você não. Você vai estar fora dela tão logo as coisas se equilibrem.
E aqueles que nem lá podem estar? Já pensou? O seu mal é passageiro. Enquanto vivo, chances hão de existir para se reconstruir, com a vantagem de trazer na bagagem experiências não boas, e assim valorizar o que antes você não percebia. Você, intimamente, ficou enriquecido pelo sofrimento. Mesmo que muitas coisas antes consideradas essenciais já não existam mais, outras alternativas haverão de surgir. Até por esse lado você foi beneficiado, pois aprendeu algo muito difícil: esperar. O jovem guerrilheiro "de quem sabe faz a hora, não espera acontecer", ficou no passado. As coisas serão planejadas e executadas com mais conseqüência e, por certo, haverão de ser mais perenes, consistentes.
O choro pode ser uma constante em sua vida, mesmo sem motivo aparente, ou como pela perda de um ente querido. Seja a causa que for, continue a observar a sua volta. Nada é irremediável, pois temos o poder de aprender a conviver com o inevitável. É tudo uma questão de dar tempo ao tempo. Ele tem o poder de curar feridas, ainda que fiquem as cicatrizes.
Pense nas doenças incuráveis e nos sofrimentos que elas ocasionam. Normalmente, são batalhas inglórias, onde o mais fraco pode sucumbir, se obstinadamente não lutar para que saia vitorioso.
A partir dessas comparações, priorize readquirir a sua autoconfiança; sentir menos pena de si mesmo. Tudo deve visar a volta ao caminho de momentos felizes, naturalmente, sem forçação de barras. Nunca iremos, e sabemos em sã consciência, consertar o mundo. Mas, por esse prisma, muito poderemos fazer para amenizar esses casos de misérias e de desamor que descrevi. Assim procedendo, poderemos tornar o nosso sofrimento e o do próximo mais suportável. E seremos felizes, sem culpa.
A busca da saída é árdua. O mais prático e cômodo é continuarmos com as nossas atividades habituais. Mas, é o que queremos? Pode ser que sim, pode ser que não. Observe o trabalho de um pedreiro, um catador de papel. À noite, escute o barulho do caminhão de lixo. São atividades pesadas. O motorista de ônibus que durante horas a fio enfrenta um trânsito caótico, os tímpanos da telefonista... Mesmo estressado, pense nessas e noutras situações. Isso fará com que o seu quadro depressivo se amenize diante da realidade de outras pessoas.
Talvez os motivos que o trouxeram até aqui sejam mais leves ou piores. Não importa. O que interessa é nos reencontrarmos; nos reprogramar; simplificar para não complicar.